
Despedida familiar
Texto de Rozilda Euzebio Costa
Hoje, enquanto
estava indo ao mercado, a pé, para comprar o pão do café da manhã, eu vi uma
fila enorme de carros estacionados em uma determinada residência. Então logo
imaginei que, ali, alguém tinha morrido! Ali, estava acontecendo um velório. E sabem
por que imaginei isso?! É porque as famílias genealógicas estão tão afastadas umas
das outras que, o único momento em que podemos ver as famílias reunidas, é
exatamente na hora em que morre algum ente familiar! É uma triste realidade
isso, mas é uma verdade incontestável.
Este é um assunto
delicado, mas tão comum que todos, ou, quase todos, concordam com esta visão de
realidade em que, há muitos anos, as famílias vivem em relação à aproximação
familiar.
Talvez, pelo fato
de que a tecnologia tenha avançado muito, e por termos descoberto nessas
tecnologias novos atrativos que nos prendam, estamos nos afastando cada vez
mais de nossos membros familiares. E nos afastamos tanto que, não sabemos quase
nada sobre a vida deles! Parece que, nestes tempos tão confusos, a nossa família
se tornou aquela que está mais perto do nosso convívio e dos nossos interesses
individuais!
Não sabemos mais como
estão vivendo aqueles nossos irmãos que moram em outras cidades!
Não sabemos como
vivem aqueles primos de primeiro grau que vivem tão próximos de nós, bem ali, no
bairro vizinho! E não sabemos se eles já se casaram, ou se tiveram filhos, ou
mesmo, se conquistaram seus tão almejados sonhos!
Muitos daqueles nossos
parentes que vivem em outras regiões distantes da família, não sabemos mais
nada sobre eles.
Muitos de nós não
sabemos nem mesmo como estão vivendo os nossos genitores! Se eles estão sadios
ou se estão doentes. Se eles estão precisando de alguma coisa. E se estão
precisando de um carinho...
Nos dias de hoje,
nem mesmo os casamentos reúnem toda a família em comemoração, até porque,
casamento se tornou algo tão desvalorizado na sociedade que muitos casais se
formam no famoso “juntar os trapos”, ou seja; nada de oficialidade nas uniões,
assim fica mais fácil “separar os trapos” quando as crises da união conjugal começarem
a surgir debaixo do teto e fora dele.
Existe apenas um
único momento em que as coisas mudam um pouco de face. Aí eu volto na parte
mencionada no primeiro parágrafo deste texto; este momento é quando morre
alguém da família. Neste instante, surgem parentes que, até então, nem nos lembrávamos
mais que eles existiam! Surgem até novos membros que, também nem sabíamos que
haviam nascido! E ali, naquele momento
de “dor”, enquanto aquele ente familiar está exposto para o “adeus definitivo”,
para o “adeus ao mundo”, jazendo pálido, frio e já quase esquecido naquela
caixa comprida onde ninguém deseja estar, é ali que a família toda vai
colocando os assuntos em dia, e expondo suas novidades.
Naquele instante de
reunião familiar, se descobre que aquele irmão que sonhava em ser piloto de
avião se tornou um operador de máquinas pesadas, e já tem até uma dúzia de
filhos espalhados por toda a região em que ele vive.
Naquela que seria
uma reunião fúnebre, se descobre ainda que, aquela prima que todos criticavam
na infância, porque julgavam-na feia e desinteressante, se tornou uma grande
mulher de negócios no exterior! Casou-se com um banqueiro e vive uma vida aparentemente
feliz.
Ali, enquanto o
morto “espera um último beijo de adeus” de seus familiares queridos, todos eles
parecem excitados, distribuindo uns para os outros as suas novidades mais
aplausíveis. E colocando em dia os assuntos que foram destaques em suas vidas, eles
até sorriem! Eu já vi muitos sorrisos sem nenhum constrangimento em velórios
que já estive! Ali, naquele instante de “despedida para sempre”, daquele que
parte para o além, talvez se encontre em algum cantinho de olhar, alguma
lágrima de tristeza e de saudosismo antecipado.
Talvez ainda se
encontre sentimento dentro de um coração que realmente viveu e tenha compartilhado
emoções verdadeiras para com alguém que está partindo deste mundo.
Talvez, naquele
instante de despedida, em algum quarto escuro e frio de uma casa distante,
impossibilitado de manifestar seus sentimentos de dor, devido a diversas
circunstâncias de ordem muito particular, exista um coração sofrendo silencioso
por não ter podido dar um beijo de adeus naquela criatura que está partindo, e
que fora tão importante e tão presente fisicamente em sua vida.
Penso em como as
coisas estão mudando tão depressa neste mundo, e penso no quanto os valores
familiares mudaram de forma tão drástica. Os corações humanos estão ficando
cada vez mais frios de sentimento. Não há quase comunhão de sentimentos. Quase
não se encontra mais o amor ágape no coração das pessoas.
Quando se fala que “somente
o amor tem o poder de mudar o mundo e as pessoas”, há um equivoco por parte de
uma grande maioria de pessoas na interpretação da palavra “amor”, pois o amor
que realmente mudará o mundo é o amor ágape, este amor abnegado, incondicional
e desprovido de qualquer intenção de cunho pessoal.
O amor ágape ultrapassa
os limites da própria razão e dos próprios interesses para ir de encontro ao
outro com um sentimento piedoso e misericordioso. É este amor que as famílias
precisam vivenciar umas com as outras. É este amor ágape que temos que
implantar dentro dos nossos lares, para que haja uma ligação emocional maior
com os nossos membros familiares, para que haja um sentimento mais profundo de
pertença e de importância uns para com os outros. É o amor ágape que nos fará
conhecer verdadeiramente a nossa hereditariedade.
O amor que mudará o
mundo não é este amor carnal de um homem por uma mulher. Este amor que precisa
de sensações físicas, de beijos e de abraços para se sentir amado ao lado do
companheiro é o “amor eros”, um amor carnal e puramente físico.
Tão pouco é o “amor
phileo” que salvará o mundo, porque este amor fraternal, o amor de amigos,
falha muitas vezes! Equivoca-se nas situações mais adversas da vida!
O amor de amigos “amor
phileo”, falha porque, às vezes esperamos que os nossos amigos sejam perfeitos,
mas eles não são! Eles vão falhar muitas vezes! E nós também vamos falhar com
eles! Quantos amigos se perderam no vão da intolerância, nas brechas da
disputa, e até mesmo nas setas do ciúme! O amor fraternal também falha muitas
vezes.
Devemos buscar
sempre amar as pessoas, o mais próximo possível do “amor ágape”, este amor que
vence qualquer conflito experimentado por nós nesta vida, sejam estes conflitos
de ordem psicológica, física, ou mesmo, conflitos morais de origens
desconhecidas.
Nós desejamos um
mundo melhor, mas estamos destruindo o mundo a partir dos nossos lares. É no
lar que as coisas precisam começar a mudar urgentemente. São os valores
familiares que devemos rever. São os exemplos que estamos dando aos nossos
filhos que devemos rever para que as coisas num futuro mais breve sejam
realmente transformadas.
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