Quem trabalha fazendo pessoas sorrirem, também tem lágrimas nos olhos. Também tem sentimentos profundos na alma. Também sente a dor que o outro sente.
OS DOIS LADOS DA MESMA MOEDA
22/07/2015
LADO 1.
Estávamos
Dra. Greta Garboreta e eu, Dr. Zequim Bonito, prestes a encerrar nossa rotina
de trabalho. Estávamos virando a esquina do último corredor que nos levaria de
volta à salinha onde nos desfazemos de nossas personalidades de palhaço para
voltarmos a ser gente normal, se é que gente normal existe.
Antes
de virar a esquina do último corredor, as moças da recepção
pediram uma foto.
Clique,
clique, flash e lá estávamos nós registrados em mais um celular. Ou então em uma página de Facebook, onde
seremos uma foto compartilhada, curtida, comentada, criticada, ridicularizada,
insultada, venerada, ou simplesmente ignorada. E assim a vida segue seu fluxo.
LADO 2.
Depois
da foto estávamos, agora sim, prestes a encerrar nossa rotina de
trabalho.
- Palhacinho!
Palhacinho!, ouvimos de longe.
Vimos
logo de cara que a solicitação era de outro teor. Teria sido tão melhor se
fosse apenas mais uma foto. Mas não era. A mulher que nos chamava estava
aos prantos. Ela saíra desnorteada do elevador, acompanhada por familiares,
todos visivelmente muito abatidos.
Começava
ali um daqueles momentos que nos pegam de calça curta. Não era a primeira vez que acontecia. Já
vivemos situações parecidas em outros hospitais, com outros familiares, com
outros palhaços e, com mais ou menos traquejo, a cada vez que tal situação
aconteceu tivemos que lidar com o vazio que invariavelmente ela nos impõe. O
indizível vazio que a finitude nos reserva.
- Palhacinho,
o meu neto morreu!
Houve
um silêncio.
- Palhacinho,
o meu neto morreu! O meu neto. Vocês conheceram ele, lembra?
Nós
já sabíamos da notícia. Tínhamos estado na UTI no começo de nosso dia de
trabalho, antes da chegada dos pais e acompanhantes. Naquela hora, só estavam
presentes na UTI os profissionais da equipe de saúde cujos semblantes também estampavam as sequelas do vazio.
O
caso do menino era grave. O nome complicado da doença, sua complexidade e
agravantes não tinham a menor importância naquele momento. Para aquela avó,
ali, agora, só existia o vazio e o mais que justificado descontrole emocional
que ele causa, sobretudo quando esse vazio é deixado pela ausência de uma
criança.
- Palhacinho,
me dá um abraço!
Houve
outro silêncio, desconcertante.
De
repente, diante dessa solicitação concreta, extraída com inacreditável força e nitidez daquele turbilhão de
dor, o vazio foi momentaneamente
rompido. Com um gesto simples e sincero nosso abraço foi dado, partilhado com
aquela avó. Não falamos nada. Nada de que lembramos, pelo menos. Só ouvimos.
- Obrigado,
palhacinho.
E
depois voltaram os prantos, o turbilhão de dor e, se a vida seguir seu fluxo, o
começo do luto.
Dr.
Zequim Bonito e Dra. Greta Garboreta (Nereu Afonso e Sueli Andrade)
Hospital do Grajaú – São Paulo
Hospital do Grajaú – São Paulo
Reprodução / Créditos: Blog DOUTORES DA ALEGRIA
http://www.doutoresdaalegria.org.br/blog/os-dois-lados-da-mesma-moeda/
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